Outros terão um lar, quem saiba, amor...
Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real.
Não chega nunca a vez
Para mim. "Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio. "Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece. Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.
Fernando Pessoa, 13-1-1920